para quem sente um arrepio 24 sob 7

Senta-te no escuro. Ouve o barulho do comboio que está longe, ouve as trevas, respira o doce veneno da dor. Ainda demora a amanhecer, a chuva ainda cai dolorosamente no chão... permanece inquieto no teu coração atrofiado. Enquanto a vergonha não vem, pensa que há alguma coisa que vale no interior. Enquanto a brisa não sopra, pensa que algum dia ela soprará. Engana-te, ilude-te, mas não percas a alma, meu querido indesejável. Senta-te e reflecte: e quando a casca rachar? O que é a vida senão uma grande teimosia humana? O que um sorriso bem motivado sem nada a dizer pode semear num coração vazio? Se ao menos tivesses provado, se ao menos tivesses deixado, se ao menos tivesses dito. Enquanto o sono não vem, pensa que será possível dormir de novo. Enquanto as peças são reordenadas, pensa que esse terramoto foi o último. Avalia-te, conjura-te à vazia extensão das trevas, meu amargo amigo. Na escuridão sabes até onde podes ir, pois não há caminho, não há nada, embora haja tudo o que precisas. Que quantidade de menosprezo o teu ego ainda sacia? Enquanto a cura não vem, pensa que a raiva a vai anestesiar. Enquanto o amanhã não chega, pensa que ele será diferente. Alimenta-te, porque tu tens estado faminto. Enquanto as horas não passam, enquanto os minutos se arrastam, enquanto o relógio me contraria, enquanto eu ainda respiro, enquanto o vento não pára, enquanto o medo desaparece, enquanto a chuva pára, enquanto outra esperança não vem, enquanto outra vida não começa. Pensa que há alguém que está encharcado da chuva verdadeira ao som do teu silêncio nu. Pensa que isso vai valer a pena algum dia, que a tentativa foi válida. Pensa que fizeste o possível e que o amanhã chegará rápido. Não te percas, não sufoques.