podia ter sido diferente

Ligaste ao teu namorado nessa manhã, para lhe dizer que não te sentias bem e que ias ficar em casa. Disseste-lhe para não ficar com os teus trabalhos de casa e para se manter longe de ti, até melhorares porque não o querias contagiar. Ele desejou-te as melhoras e desligou. Só não sabia que nesse dia tu tinhas pensado no impensável: o suicídio. Decidiste cortar os pulsos, sangrar até á morte. Os teus pais estavam fora, não estava ninguém em casa, era o dia perfeito. Escreveste uma carta de despedida e deixaste-a no balcão da cozinha, na esperança de quando os teus pais chegassem e vissem soubessem que era tarde demais: que já terias partido. A caminhada que fazes até á casa-de-banho foi uma longa caminhada, a mais longa da tua vida. Pensas no teu namorado. Ele não fazia ideia do que estavas a preparar. Ele não sabia que nunca mais te veria. Pensas nos teus pais. Pensas no quanto os desapontaste. pensas que eles não têm orgulho em ti. Pensas no teu melhor amigo. No quanto o amaste, nas memórias que partilharam. Sorriste, mas depois lembraste-te do que estavas prestes a fazer e o sorriso desapareceu. Finalmente chegas á casa-de-banho. Respiras fundo e vais buscar aquilo que precisas. Antes de deslizares a lâmina pela pele suspiras desculpas, e depois cortas uma parte do teu corpo. O sangue começa a sair, tu deixas-te cair no chão. Os teus olhos começam a fechar-se conforme a dor vai aumentando. O sangue cai á tua volta, sujando a tua roupa preferida. Respiras fundo, antes de adormeceres. Enquanto isso, o teu namorado decide que seria uma boa ideia passar por tua casa para te mimar um bocadinho. Ele abre a porta de tua casa e chama por ti. Quando não recebe resposta, caminha um pouco mais no corredor. A casa-de-banho tem a porta aberta. O teu corpo está rodeado de sangue. O teu namorado fica em choque mas rapidamente recupera e corre para ti. Ele pega no teu corpo, abana-o e grita o teu nome. Ele está a chorar, agora. As lágrimas correm no seu rosto como o teu sangue correu o chão. Ele continua a gritar o teu nome, na esperança de obter uma resposta. Ele pára de te abanar, encosta a sua cabeça na tua barriga e fecha os olhos. Depois de alguns minutos ele acalma-se e pega no telemóvel. A ambulância chega, o teu namorado nunca sai do teu lado. Horas depois o médico anuncia que não conseguiram ajudar-te. Que morreste. O teu namorado fica em choque, sem aceitar o facto de que já não estás com ele. Os teus pais gritam e batem um no outro, repetindo vezes sem conta "a culpa é tua". O teu melhor amigo deixa-se cair nas cadeiras, a chorar. Toda a gente na sala de espera está a olhar para o teu pequeno grupo, a sentir pena deles. O teu funeral realiza-se três dias depois. Duzentas pessoas aparecem para honrar a tua memória. Nenhuma está a sorrir. Toda a gente sabe que talvez, se tivessem sido um bocadinho mais simpáticos contigo, ainda estarias viva. Toda a gente se culpa. O teu namorado não tornou a falar para ninguém e não come á vários dias. A tua mãe entrou em depressão. O teu pai está como o teu namorado, todos os dias olha para a televisão sem expressão no rosto. Há um memorial em tua honra na entrada da escola, com fotografias tuas. Mais ninguém é igual ao que era antes. O teu sorriso podia ter iluminado o dia de alguém. A tua gargalhada podia ter feito alguém sorrir. Mas não, tu decidiste partir. E a razão, essa só tu a conheces.